Ivone Silva: Prioridade dos bancários é preservar empregos e direitos

Ao comentar os desafios da Campanha Nacional dos Bancários 2020 e tema da mesa desta quinta-feira com a Fenaban, o emprego, a presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Ivone Silva, lembra, em artigo, que, mesmo em um cenário econômico de grave crise que já se desenhava antes da pandemia do coronavírus, o lucro líquido dos cinco maiores bancos atuantes no Brasil atingiu a cifra recorde de R$ 108 bilhões em 2019. E que, somente no primeiro trimestre deste ano, o montante somou R$ 18 bilhões, o que não justifica as demissões de trabalhadores durante a crise sanitária. Leia abaixo:


A Campanha Nacional dos Bancários deste ano tem muitos desafios. Em um cenário econômico pessimista, com altas taxas de desemprego, desigualdade de renda, elevada informalidade e precarização das relações de trabalho, que se agravou com a pandemia.

Mesmo em um cenário econômico de grave crise que já se desenhava antes da pandemia, o lucro dos bancos seguiu batendo recorde. Em 2019, o lucro líquido dos cinco maiores bancos atuantes no Brasil (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú-Unibanco e Santander), atingiu a marca de R$ 108 bilhões, o que representou aumento de 30,3% nos doze meses. Somente no primeiro trimestre de 2020, o lucro dos bancos somou R$ 18 bilhões.

Para retomar a rentabilidade dos últimos anos é provável que a reação mais imediata dos bancos diante do cenário econômico se concentre em uma dupla estratégia de redução de custos fixos (despesas de pessoal e despesas administrativas): intensificação da digitalização e do home office. Com um investimento ainda maior em tecnologia, nosso desafio é preservar os empregos.

Em 2019, o setor financeiro investiu R$ 25 bilhões ao ano em TI, fazendo com que 63% das transações financeiras fossem realizadas em canais digitais, o que garante aos bancos enorme redução de custos administrativos e com força de trabalho, sem que esse lucro seja dividido com trabalhadores e clientes.

O setor bancário é o que mais investe em tecnologia nos últimos anos, e se verificava uma crescente transformação nos meios de pagamento. A pandemia acelerou essa transformação e acredito que essa tendência se aprofundará no pós-pandemia. Cada vez mais as pessoas se utilizarão dos canais digitais, tanto internet quanto celular, para realizar suas transações financeiras. A consequência desse comportamento para os bancos é o aumento de seus lucros. A estratégia dos bancos é passar o máximo de transações possíveis para os meios digitais e também automatizar processos internos. E vários aspectos das relações de trabalho nos bancos são afetadas pelas novas tecnologias.

O primeiro aspecto que pode ser observado é o desemprego tecnológico, na medida em que muitas ocupações importantes do setor, principalmente ligadas às transações financeiras passam a perder importância na medida em que as transações são realizadas na internet ou no smartphone. Por exemplo, entre janeiro de 2013 a dezembro de 2019 os bancos fecharam 70.006 postos de trabalho, o que equivale a uma redução de mais de 13% da categoria, e o fechamento de 3.400 agências físicas. Outros aspectos como mudanças na jornada, na intensidade do trabalho, nas tarefas exigidas também tem preocupado os bancários e o sindicato. Por exemplo, nas chamadas agências digitais atende-se muito mais clientes por bancário do que nas agências tradicionais, o que pode gerar uma série de problemas de saúde na categoria como já observamos nos últimos anos com grande quantidade de afastamentos por transtornos mentais como depressão e ansiedade.

A aplicação de tecnologia precisa de fato gerar ganhos para todos os agentes envolvidos no processo, ou seja, empresas, trabalhadores e consumidores, no entanto, não é o que se observa no caso dos bancos. Os clientes seguem pagando as mais elevadas taxas de juros e tarifas bancárias do mundo. E os bancários não tiveram suas jornadas reduzidas, ao contrário, há uma redução dos postos de trabalho e sobrecarga só aumenta.

Não há crise para os bancos.  A rentabilidade dos cinco maiores bancos gira em torno de 20%, isso significa que a cada cinco anos o lucro dos bancos é capaz de dobrar o patrimônio dessas instituições. E, mesmo com a economia estagnada, os bancos retomaram sua rentabilidade a um patamar mais alto que em 2014. Esse patamar é superior ao apresentado pelos maiores bancos do mundo nos Estados Unidos, por exemplo. Não é novidade que os bancos no Brasil praticam as mais altas taxas de juros do mundo e que isso representa, por um lado, uma verdadeira máquina de lucros para as empresas do setor, mas por outro lado, uma verdadeira âncora para a economia, na medida em que bilhões de reais são retirados do bolso dos consumidores, das empresas e do governo em direção ao caixa dos bancos. As taxas de juros de modalidades como cartão de crédito passam de 240% ao ano e cheque especial 110% ao ano, e mesmo linha de crédito com baixo risco para os bancos como consignado para trabalhadores do setor privado apresentam juros exorbitantes próximos de 30% ao ano.

Todo esse incremento de lucro, portanto, foi inteiramente apropriado pelos acionistas dos bancos. Os bancos continuam aumentando seus lucros, com alta rentabilidade sendo dividida somente para seus acionistas, sem preocupar com redução de tarifas para os clientes , e a valorização de seus trabalhadores. Em 2019 os dividendos pagos aos acionistas somaram R$ 58 bilhões, um crescimento de 57% em relação a 2018.

Esse enorme processo de concentração de renda é o que explica que mesmo em um cenário de crise econômica profunda os bancos tenham recordes de lucro. Nossa Campanha Nacional Unificada quer a manutenção dos empregos e aumento real, com a divisão dos lucros para que os trabalhadores se apropriem dos resultados que não param de crescer.

É urgente também voltar a pensar num sistema financeiro que promova crédito sustentável e barato, que inclua as pessoas que precisam ser bancarizadas, que atenda as peculiaridades regionais e geracionais do país, que ajude a desenvolver áreas prioritárias como habitação, agricultura e educação, que ajude a economia a retomar o crescimento e gerar empregos, que destine recursos para projetos de infraestrutura no país. Do contrário as tendências aqui explicitadas vão se aprofundar nos próximos anos e teremos um sistema financeiro cada vez mais excludente, concentrador de renda e que funciona cada vez mais como um obstáculo ao pleno crescimento econômico e social do Brasil.

* Formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), com MBA em Finanças, Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas. Funcionária do Itaú-Unibanco desde 1989, começou como diretora do Sindicato em 1997. Esteve à frente da secretaria-geral da entidade de 2014 a 2017, auxiliando na coordenação das Campanhas Nacionais Unificadas. É a segunda mulher a presidir o Sindicato.