Como os associados resistiram à intervenção do governo FHC na Previ e reconquistaram a governança

No dia 15 de dezembro de 1998, o governo Fernando Henrique Cardoso baixou a Emenda Complementar nº 20, que entre outras coisas estabelecia a paridade de contribuição entre patrocinadoras e participantes dos fundos de pensão dos trabalhadores das empresas públicas. E fixou prazo de dois anos para a sua entrada em vigor. A nova lei atingiu a Previ em cheio, como lembram os associados, porque até então a contribuição era na base de 2 X 1: o Banco do Brasil contribuía com dois terços e os associados com um terço.

Os representantes eleitos propuseram que, em vez de aumentar a contribuição dos associados, fosse utilizado o superávit acumulado pelo Plano 1 até então, que era da ordem de R$ 5,7 bilhões em valores da época. O Banco do Brasil recusou, alegando que dois terços desse valor pertencia a ele, patrocinador.

Essa disputa está narrada no livro “Da Caixa Montepio à Previ: 100 anos do maior fundo de pensão da América Latina”, lançado em 2004 pela Previ: “O impasse – e o consequente não cumprimento do prazo legal – levou a Secretaria de Previdência Complementar (SPC), em 15 de dezembro de 2000, a nomear um diretor fiscal para a Previ (…) ‘para adotar as medidas necessárias à implementação do instituto da paridade’. No dia 6 de abril de 2001, o diretor fiscal nomeado pela SPC encaminhou correspondência à Diretoria da Previ determinando: (a) a divisão do superávit de R$ 5,7 bilhões entre o Banco e os participantes na proporção, respectivamente, de 2/3 e 1/3; (b) a dedução, desses valores, de parcelas iguais de cerca de R$ 1,5 bilhão, visando a elevação das reservas matemáticas da Caixa; e (c) a apropriação, pela PREVI, do restante dos recursos do Banco, para redução da dívida referente ao ‘Acordo de 67’.”

O movimento sindical e as entidades representativas não aceitaram a decisão do diretor fiscal. Capitaneadas pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, entraram com ação judicial e conseguiram no dia 12 de abril liminar do Tribunal Regional Federal (TRF) suspendendo a decisão. O que levou o BB e os representantes do funcionalismo a criarem o Fundo de Paridade com o objetivo de administrar o superávit de R$ 5,7 bilhões enquanto se desenrolasse a batalha judicial.

No dia 29 de maio de 2001, o governo editou as leis complementares 108 e 109, que dentre outras medidas mexeram na composição da governança e retiraram poder da representação dos associados na gestão da Previ. A nova legislação determinou que houvesse paridade tanto na Diretoria Executiva como no Conselho Deliberativo, onde a representação dos associados tinha maioria. Pior: o presidente do Conselho, que era dos eleitos, passou a ser nomeado pelo banco e, ainda por cima, passou a ter o Voto de Minerva.

As leis complementares deveriam entrar em vigor em 12 meses, portanto, no dia 29 de maio de 2002. Mas os dirigentes eleitos não aceitaram a nova lei, que violava o acordo de gestão compartilhada de 1997. E no dia 3 de junho, o governo FHC decretou intervenção na Previ, afastando todos os diretores e conselheiros deliberativos e fiscais eleitos, nomeando como intervertor o ex-secretário-adjunto da SPC, Carlos Eduardo Esteves de Lima.

Dirigentes eleitos destituídos
“Nós, que havíamos conquistado a participação dos trabalhadores na Diretoria Executiva e a maioria do Conselho Deliberativo pertencendo aos trabalhadores, sofremos um duro golpe. Todos os diretores e conselheiros foram destituídos e ficaram com seus bens indisponíveis, para que o governo mudasse nossa estrutura”, conta nesse vídeo abaixo o diretor eleito de Administração da Caixa de Previdência, Márcio de Souza.

Para resistir ao ataque do governo, a então Confederação Nacional dos Bancários (CNB-CUT, antecessora da Contraf-CUT) liderou o lançamento do Movimento em Defesa da Previ, que desembocou na unificação das chapas concorrentes inscritas para a eleição daquele ano. O governo levantou a intervenção no dia 24 de julho e a chapa unitária Movimento em Defesa da Cassi saiu-se vitoriosa no pleito realizado em agosto.

“A resistência dos trabalhadores naquele momento foi muito importante para manter viva a bandeira da nossa participação. E a resistência gerou frutos. Quatro anos depois desse ato de violência, conseguimos alterar o estatuto para retomarmos a eleição de diretores executivos e ainda criar os Conselhos Consultivos do Plano 1 e do Previ Futuro, para trazer os associados mais próximos do seu plano de benefícios”, lembra Márcio de Souza.