INSS deve arcar com afastamento por violência doméstica

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o INSS deverá arcar com a subsistência da mulher que tiver de se afastar do trabalho para se proteger de violência doméstica. Para o colegiado – que acompanhou o voto do relator, ministro Rogerio Schietti Cruz –, tais situações ofendem a integridade física ou psicológica da vítima e são equiparáveis a uma enfermidade, o que justifica o direito ao auxílio-doença, até mesmo porque a Constituição Federal prevê que a assistência social será prestada a quem dela precisar, independentemente de contribuição.

Segundo comunicado publicado no site do STJ, no mesmo julgamento, a turma definiu que o juiz da vara especializada em violência doméstica e familiar – e, na falta deste, o juízo criminal – é competente para julgar o pedido de manutenção do vínculo trabalhista, por até seis meses, em razão de afastamento do trabalho da vítima, conforme previsto na Lei Maria da Penha.

A manutenção do vínculo de emprego é uma das medidas protetivas que o juiz pode tomar em favor da mulher vítima de violência, mas, como destacou o relator, a lei não determinou a quem cabe o ônus do afastamento – se seria responsabilidade do empregador ou do INSS – nem esclareceu se é um caso de suspensão ou de interrupção do contrato de trabalho.

“Essa decisão é muito importante porque chama a atenção para o fato de que o estado precisa ter políticas para enfrentar a violência”, comentou Neiva Ribeiro, secretária-geral do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região.

A dirigente ressalta que, além de medidas protetivas e de coibição da violência e do feminicídio, o Estado deveria ter mecanismos para enfrentar o machismo em todos os espaços da sociedade.

“Para evitar que haja perda de produção no trabalho; que se onere o INSS com estes afastamentos; ou, obviamente, que mulheres morram em decorrência destas agressões, é necessário discutir políticas de combate à violência. Tem que discutir nas escolas, nos meios de comunicação, no mundo de trabalho, porque a cada dia as mulheres estão sendo violentadas, e os números demonstram isso. Então é uma decisão importante para trazer à tona o debate, já que a violência e a morte das mulheres é responsabilidade de toda a sociedade”, analisou. “Quando o judiciário diz que o INSS tem que cobrir isso, ele está nos ajudando nessa tese de que tem que ter um debate mais amplo, para erradicar de vez. Além de punir o agressor, tem que ter um monte de instrumentos possíveis e necessários para proteger as mulheres”, completou.

Natureza jurídica
O ministro Schietti, relação da ação, explicou que nos casos de suspensão do contrato – como faltas injustificadas e suspensão disciplinar, por exemplo –, o empregado não recebe salários, e o período de afastamento não é computado como tempo de serviço. Já nos casos de interrupção – férias, licença-maternidade, os primeiros 15 dias do afastamento por doença e outras hipóteses –, o empregado não é obrigado a prestar serviços, porém o período é contado como tempo de serviço e o salário é pago normalmente.

"A natureza jurídica de interrupção do contrato de trabalho é a mais adequada para os casos de afastamento por até seis meses em razão de violência doméstica e familiar, ante a interpretação teleológica da Lei Maria da Penha, que veio concretizar o dever assumido pelo Estado brasileiro de proteção à mulher contra toda forma de violência (artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal)", declarou o relator.

Lacuna normativa
Quanto ao ônus da medida protetiva, o magistrado ressaltou que o legislador não incluiu o período de afastamento previsto na Lei Maria da Penha entre as hipóteses de benefícios previdenciários listadas no artigo 18 da Lei 8.213/1991, o que deixou no desamparo as vítimas de violência.

"A vítima de violência doméstica não pode arcar com danos resultantes da imposição de medida protetiva em seu favor. Ante a omissão legislativa, devemos nos socorrer da aplicação analógica, que é um processo de integração do direito em face da existência de lacuna normativa" – afirmou, justificando a adoção do auxílio-doença. Conforme o entendimento da turma, os primeiros 15 dias de afastamento devem ser pagos diretamente pelo empregador, e os demais, pelo INSS.

A Corte definiu também que, para comprovar a impossibilidade de comparecer ao local de trabalho, em vez do atestado de saúde, a vítima deverá apresentar o documento de homologação ou a determinação judicial de afastamento em decorrência de violência doméstica. Os ministros estabeleceram ainda que a empregada terá direito ao período aquisitivo de férias, desde o afastamento – que, segundo a própria lei, não será superior a seis meses.

Entenda o caso
O recurso foi interposto por uma mulher contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que não acolheu seu pedido de afastamento do emprego em razão de violência doméstica. O pedido já havia sido negado na primeira instância, que entendeu ser o caso de competência da Justiça do Trabalho.

A vítima alegou que sofria ameaças de morte de seu ex-companheiro e que já havia conseguido o deferimento de algumas medidas protetivas, mas ainda se sentia insegura. Como não havia casa de abrigo em sua cidade, mudou-se e deixou de comparecer ao emprego. Ao STJ, ela pediu o reconhecimento da competência da Justiça comum para julgar o caso, além da manutenção do vínculo empregatício durante o período em que ficou afastada, com a consequente retificação das faltas anotadas em seu cartão de ponto.

Em seu voto, o ministro Schietti ressaltou que o motivo do afastamento em tais situações não decorre de relação de trabalho, mas de situação emergencial prevista na Lei Maria da Penha com o objetivo de garantir a integridade física, psicológica e patrimonial da mulher; por isso, o julgamento cabe à Justiça comum, não à trabalhista.

"No que concerne à competência para apreciação do pedido de imposição da medida de afastamento do local de trabalho, não há dúvidas de que cabe ao juiz que anteriormente reconheceu a necessidade de imposição de medidas protetivas apreciar o pleito", concluiu.

Com o provimento do recurso, o juízo da vara criminal que fixou as medidas protetivas a favor da vítima deverá apreciar seu pedido retroativo de afastamento. Caso reconheça que a mulher tem direito ao afastamento previsto na Lei Maria da Penha, deverá determinar a retificação do ponto e expedir ofício à empresa e ao INSS para que providenciem o pagamento dos dias.